sexta-feira, 1 de abril de 2011

O Estupro dos Cânticos de Salomão — Parte I

Pulpit Magazine, 14 de Abril de 2009.

(Por John MacArthur — tradução: Nelson Ávila)

Aparentemente, o caminho mais curto para a relevância no ministério da igreja atualmente é que o pastor fale sobre sexo em termos extravagantemente explícitos durante o culto matinal de domingo. Se ele puder chocar os paroquianos com palavras cruas e humor irreverente, tanto melhor. Os defensores desta tendência nos informam solenemente que sem tal estratégia é praticamente impossível se conectar com a “cultura” de hoje. (No evangelicalismo contemporâneo, este termo tem se tornado um rótulo conveniente para quase tudo que é inculto e grosseiro.)

Sermões sobre sexo têm repentinamente se tornado uma grande moda no mundo evangélico tal como a oração de Jabez jamais foi. Em todo lugar, ao que parece, igrejas estão apresentando séries especiais sobre o assunto. Algumas delas fazem propagandas com cartazes sugestivos, concebidos propositadamente para ofender a sensibilidade de suas comunidades conservadoras.

Realmente, alguns pastores têm ganhado ampla cobertura na mídia pela edição de “desafios sexuais” para membros de igrejas. Estes são esquemas que propõem sexo diário obrigatório para cônjuges durante um período de tempo específico — geralmente entre sete a quarenta dias. (Como as pessoas prestam conta disto é uma questão que tenho medo de levantar.)

Eu seria o último a sugerir que os pregadores evitassem totalmente o tema do sexo. A Escritura tem muito a dizer sobre o assunto, a começar com as primeiras palavras de Deus a Adão e Eva (“Frutificai e multiplicai-vos” — Gênesis 1:22). A lei de Deus possui numerosos mandamentos que regem o comportamento sexual, e o Novo Testamento reafirma repetidamente o padrão de pureza sexual do Antigo Testamento. Finalmente, nos capítulos finais da Escritura somos informados de que pessoas sexualmente imorais serão lançadas no lago de fogo (Apocalipse 21:8). Portanto, não há maneira de pregar todo o conselho de Deus sem mencionar o sexo.

Mas a linguagem que a Escritura emprega quando lida com o relacionamento físico entre marido e mulher é sempre cuidadosa — muitas vezes simples, algumas vezes poética, usualmente delicada, freqüentemente silenciada por eufemismos, mas nunca completamente explícita. Não há indício de lascívia irreverente na Bíblia, mesmo quando o claro propósito do profeta é chocar (como quando Ezequiel 23:20 compara a apostasia de Israel a um ato de fornicação grosseira motivada pelo desejo de bestialidade). Quando um ato de adultério é parte da narrativa (tal como o pecado de Davi com Bate-Seba), ele nunca é descrito de uma maneira que agradaria uma imaginação lasciva ou despertaria pensamentos luxuriosos.

A mensagem da Escritura a respeito do sexo é simples e consistente do começo ao fim: a total intimidade física dentro do casamento é pura e deve ser desfrutada (Hebreus 13:4); mas remova o pacto do casamento da equação e toda atividade sexual (incluindo aquela que ocorre apenas na imaginação) nada mais é que fornicação, um pecado grave que é especialmente profano e escandaloso — tanto que até falar inapropriadamente a respeito é vergonhoso (Efésios 5:12).

Acima de tudo, a Escritura nunca se rebaixa ao nível sensacionalista da educação sexual contemporânea. A Escritura não tem um correspondente ao Kama Sutra Hindu (um antigo manual de sexo sânscrito supostamente transmitido pelas deidades Hindus). Nada nas Escrituras dá qualquer vívida instrução, do tipo “como fazer”, a respeito da relação física dentro do casamento.

Isto inclui o Cantares de Salomão.

De fato, o poema amoroso de Salomão sintetiza a abordagem exatamente contrária. É, naturalmente, um longo poema sobre namoro e amor conjugal. Ele está cheio de eufemismos e imagens descritas. Todo o seu intuito é expressar gentilmente, sutilmente e elegantemente a intimidade emocional e física do amor conjugal — em linguagem adequada para qualquer público.

Mas tem se tornado popular em certos círculos empregar extremas descrições gráficas de intimidade física como um meio de expor os eufemismos do poema de Salomão. À medida que esta tendência se desenvolve, cada novo palestrante parece encontrar algo mais chocante nas metáforas que qualquer de seus predecessores jamais sequer imaginou.

Assim, somos informados que a linguagem poética de Sulamita ao invocar as delícias de uma macieira (Cânticos 2:3) é uma metáfora para sexo oral. O conforto e deleite de um simples abraço (2:6) não é nada do que parece ser. Aparentemente é impossível descrever o que este versículo realmente significa sem mencionar certas partes inomináveis do corpo.

Somos ainda assegurados de que os significados chocantes escondidos nesses textos não são meramente descritivos; eles são prescritivos. A gnose secreta dos Cânticos de Salomão retrata atos que as mulheres devem fazer obrigatoriamente se isto for o que satisfaz seus maridos, independentemente do desejo ou consciência da própria esposa. Foi-me dada recentemente uma gravação de uma dessas mensagens, onde o palestrante dizia: “Senhoras, deixem-me garantir-lhes isto: se você acha que está sendo suja, ele ficará muito feliz.”

Tais pronunciamentos são usualmente feitos em meio a gargalhadas ruidosas, mas evidentemente se espera que os levemos a sério. Quando a gargalhada se extinguiu, aquele palestrante acrescentou, “Jesus Cristo ordena que você faça isto.”

Essa abordagem não é exegese; é exploração. É contrária ao estilo literário do próprio livro. É espiritualmente equivalente a um ato de estupro. É rasgar o belo vestido poético dos Cânticos de Salomão, despir aquela porção da Escritura de sua dignidade, e apresentá-la para que seja ridicularizada e encarada com malícia de uma maneira carnal.

Mark Driscoll tem conduzido o desfile por este caminho carnal. Ele é de longe o proponente popular mais conhecido e mais prolífico desta maneira de lidar com os Cânticos de Salomão. Ele tem dito repetidamente que esta é sua passagem favorita da Escritura, e tem se voltado para ela mais e mais nos últimos anos, culminando em uma série altamente divulgada e lançada em vídeo ano passado via internet.

Continuo encontrando jovens pastores que estão seguindo agora este mesmo exemplo, e estou bastante surpreso de que esta tendência tenha sido tão bem aceita na igreja, sem praticamente nenhuma crítica significativa e sem levantar sérias objeções. Então, nos próximos dois dias vamos analisar e criticar esta abordagem dos Cânticos de Salomão, incluindo uma olhada em alguns exemplos específicos onde a linha da decência tem sido claramente ultrapassada.

5 comentários:

  1. Nelson,

    parabéns! Garimpou e traduziu um ótimo texto do pr. John MacArthur.

    Temo que cada vez mais a igreja, em sua busca por "relevância" para este mundo, esteja se esquecendo de que somos relevantes não por nos adequar a ele, mas pela revelação especial entregue pelo Senhor. Se abandonamos essa mensagem, se a distorcemos, ou a rebaixamos, qual relevância a igreja terá? Qualquer congresso de auto-ajuda ou mesmo alguma terapia secular funcionará melhor [até mesmo um placebo].

    Assim como o pr. MacArthur temo que daqui a pouco algumas pregações poderão abrir seções de filmes eróticos ou somente serão permitidas para maiores de 18 anos. Ou será que o linguajar e o comportamento verbal e intelectual não refletem, necessariamente, a santidade?

    Grande abraço, meu irmão!

    Cristo o abençoe!

    PS: Posso reproduzir esta sua tradução?

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  2. Obrigado pelo comentário irmão Jorge. De fato, quanto mais nos conformamos a este mundo, mais perdemos nossa relevância, pois a mensagem do Evangelho tem por natureza a prerrogativa de ser diferente.
    Obs: Pode reproduzir sim!

    Nelson Ávila.

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  3. certas partes inomináveis do corpo.
    Que tristes e acanhadas palavras. Corpos criados por Deus com partes inomináveis. Mais uma vez, que tristes e acanhadas palavras.

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  4. Pois é Rodrigo, sinto a ironia de suas palavras e confirmo o que MacArthur declarou. Existem sim partes do corpo as quais não se deve mencionar num púpito ao domingo. Do mesmo modo que você não fica falando abertamente sobre os detalhes do seu relacionamento conjugal, ou fica? Porque não, se este relacionamento foi estabelecido por Deus? Reflita!

    Nelson Ávila.

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  5. Obs: Rodrigo, talvez esta seção, estraída da parte III, possa ajudar a entender melhor o que MacArthur quis dizer: "Por razões mais fortes que a simples modéstia, certos atos envolvendo fornicação, auto-erotismo e outras coisas que as pessoas geralmente “fazem em segredo”, são vergonhosas para serem discutidas em qualquer contexto público (Efésios 5:12), muito menos num culto da igreja. Elas podem ser temas adequados para uma sessão de aconselhamento privado, para um consultório médico ou para uma aula de biologia da faculdade, mas não são temas apropriados para um culto onde Deus deve ser glorificado, onde Cristo deve ser exaltado, onde respeito deve ser mostrado para com as mulheres, onde a inocência das crianças deve ser resguardada e onde as curiosidades luxuriosas de pessoas solteiras não devem ser inflamadas desnecessariamente."

    Nelson Ávila

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