quarta-feira, 6 de maio de 2015


A CRÍTICA DAS FONTES E O PENTATEUCO 
Uma análise teológica da crítica das fontes no Pentateuco

SANTOS JUNIOR, Evandro Carvalho dos (ECS)



RESUMO
Analisa a crítica das fontes. A pesquisa prossegue verificando a história do movimento histórico-crítico, os desenvolvimentos e pressupostos dessa escola hermenêutica. O ensaio focaliza a análise do método da crítica das fontes; perpassa pela argumentação que essa escola faz à autoria e data do Pentateuco, exprimindo os seus estudos especificamente na autoria do livro. Em seguida responde as objeções de método hermenêutico. Conclui com uma consideração sobre o declínio dessa escola e uma aplicação prática sobre a relação que o cristão possui com esse assunto aparentemente técnico.

PALAVRAS-CHAVE
Crítica; Julius Wellhausen; histórico-crítico; crítica das fontes; Pentateuco; arqueologia.

INTRODUÇÃO
Observar a história da teologia é muitas vezes testemunhar fatos que se repetem de maneira cíclica. A afirmação de Salomão de que nada há de “novo debaixo do sol” (Ec 1.9) é uma realidade na teologia também. Por isso, quando examinamos os métodos modernos de se estudar a Bíblia, sabemos que por detrás disto existe aquele sútil e indolor pressuposto do ceticismo presente como um motor controlador de toda a pesquisa. Ademais, o brado erudito e introvertido de que “não há Deus” (Sl 14.1) pode ser o fator controlador dos estudos acadêmicos aplicados à Bíblia, ainda que estejam disfarçados de simples neutralidade na pesquisa científica. 
Em nosso tempo várias formas de negação à perspectiva tradicional da autoridade bíblica e os cognatos desta (infalibilidade, suficiência etc.) têm sido absorvidos por muitos. Tais métodos variam entre si: a crítica das fontes, crítica da forma e a crítica da redação. Todavia, tais escolas de interpretação das Escrituras trazem em seu bojo a mesma pressuposição antissobrenaturalista como ponto norteador de todo processo acadêmico.
Do ponto de vista tradicional da fé cristã, sabemos que todas essas hermenêuticas modernas são prejudiciais a igreja e quantos prejuízos ela trouxeram a milhares de cristãos sinceros. Porém, devido a abrangência do assunto, nos determos apenas na crítica das fontes e seus pormenores; também limitaremos o nosso estudo porque ainda que a hipótese documentária tenha perdido muito de sua credibilidade inicial até mesmo por parte do liberalismo teológico, todavia, ela ainda permanece forte entre seminários e instituições de ensino que rejeitam os argumentos que lhe são mostrados.  

1. A HISTÓRIA DO MOVIMENTO HISTÓRICO-CRÍTICO
Com o advento da reforma protestante e a pregação de doutrinas distintivas como o sacerdócio universal de todos os crentes e Sola Scriptura o desenvolvimento desses conceitos, até então ofuscado pelo catolicismo romano, foi de crucial benefício para a igreja e a sua expansão por todo o mundo; a subordinação inflexível ao papado foi desconsiderada plenamente nesses círculos; a interpretação da Bíblia não estava tão presa ao que as determinações romanistas estipulassem, um mundo de privilégios abrira-se agora.  Mas, o que não se esperava era que isso seria utilizado, especialmente em países influenciados pela reforma protestante, como um elemento motriz para a redefinição e desconstrução da fé tradicional da igreja, revelação, salvação e teontologia.
No séc. XVIII as filosofias em voga assumiram a importância do pensamento e a liberdade necessária para exercê-lo. Assim, enquanto o racionalismo mostrava-se como o método mais eficiente de se descobrir a verdade, conforme Descartes, Spinoza e Leibniz; o empirismo advogava a experiência como critério diferenciador na pesquisa. Contudo, ainda que essas escolas afirmassem métodos diferentes, e até mesmo divergentes, em relação a descoberta da verdade, tanto o empirismo quanto o racionalismo militavam juntos em pressuposições anticristãs traziam em seu bojo um agnosticismo inevitável. Em relação ao racionalismo, como um método aplicado ao estudo teológico, este foi o preconizador do liberalismo teológico do séc. XIX em oposição à antiga forma de interpretar a Bíblia, “mas ao final de algumas décadas, a nova escola dominava os estudos acadêmicos da Bíblia” (LOPES, 2007, p. 184).

1.1   Sinceridade na pesquisa ou pressupostos?
O método moderno de hermenêutica, especialmente a histórico-crítica, manteve muito da herança intelectual deixada pelo iluminismo. Embora as primeiras fontes da filosofia no ocidente da idade média e moderna devam a influencia dos notáveis pensadores cristãos, contudo o desenvolvimento desta ciência no campo da epistemologia militou muito para crenças basilares do cristianismo, ainda que de maneira inconsciente muitas vezes.
     Essa maneira de fazer filosofia, quando aplicada à teologia, realizou uma dicotomia kantiana entre fé e razão, ou seja, devemos acreditar nos relatos bíblicos não por causa da sua fidedignidade e historicidade (isso é irrelevante), mas por fé; havendo contraste entre fé e história as portas para o fideísmo abrem-se completamente.  O que parecia ser uma proposta piedosa no inicio revelou-se problemática posteriormente.  
Embora a neutralidade científica estivesse presente nos discursos dos primeiros teólogos da escola moderna, contudo os resultados mostravam que na realidade esses estudiosos eram apenas pessoas que assumiram um compromisso no coração e, então, isso passou para a cátedra.
       Por conseguinte, já que os pressupostos decidiam e controlava a pesquisa (às vezes de maneira inconsciente), faltava apenas um método hermenêutico que fosse coeso com os mesmos. As ideias absorvidas por estes homens na época eram as mesmas do Iluminismo do século anterior: a negação da intervenção divina na história humana e a concepção naturalista de causa e efeito (eliminado qualquer aspecto de suspensão das leis da física).

1.2   Uma proposta
Debaixo dessa atmosfera de avanço nas pesquisas teológicas e exegéticas, as teorias críticas (das fontes, forma e redação) passaram a observar o pensar teológico não mais como um exercício sobrenaturalmente ligado a forma como Deus se revelou na história, mas “como metodológica, ou seja, competia à hermenêutica elaborar um método através do qual se pudesse, de forma isenta de pressupostos, e tendo a razão e a ciência moderna como ferramentas, alcançar o sentido verdadeiro de um texto” (LOPES, 2007, p.189). Essa era triunfalista nos estudos acadêmicos prevaleceu durante os séculos XVII, XVIII e XIX, porem veio a sucumbir no final da primeira metade do século XX. 
A escola hermenêutica mais influente desse período foi a crítica das fontes. Essa hermenêutica entende que a composição da Bíblia, especialmente o Pentateuco, foi realizada por um conjunto de fontes separadas pelo tempo, estilo, teologia e até mesmo divergentes muitas vezes. Uma vez que se estabeleça que tipo de fonte pertença aquele referido texto, devemos estudar a sua teologia. 
Essas fontes utilizadas no Pentateuco, eram claramente perceptíveis no texto de Gênesis. Assim um precursor importante desta ideia foi o francês Jean Astruc que “ficou intrigado pelo fato de Deus ter sido chamado de Elohim em Gênesis 1, e quase somente Jeová (ou Yahweh) em Gênesis 2” (ARCHER, 1979, p. 87). Na esteira desse pensamento, um estudioso da literatura veterotestamentária confirmou a provável existência de autores diferentes e aplicou o método de Astruc a todos os cinco primeiros livros da Bíblia, após isso concluiu que o Pentateuco fora escrito muito depois de Moisés.    
Uma vez que se considerasse como um porto de partida a autoria fragmentada do Pentateuco, incluindo Gênesis, muitos outros estudiosos dessa escola deram as suas respectivas contribuições para o desenvolvimento dessa hermenêutica; passando por nomes como DeWette, Vater, Heinrich Ewald, Bleek e Hupfeld. Porém os maiores nomes dos estudos na crítica das fontes foram os de Karl Heinrich Graf e Julius Vellhausen,  ambos desenvolveram os estudos dos primeiros críticos e sistematizaram a ideia de uma existência de quatro autores/fontes J (Javé), E (Elohim), D (Deuteronomista) e P (sacerdotal). Assim não deveríamos mais falar sobre um Moisés que escreveu o Pentateuco, mas de uma diversidade de autores que escreveram o Hexateuco (incluindo o livro de Josué). 

2. A CRÍTICA DAS FONTES E O PENTATEUCO
 
2.1 A Crítica das Fontes e Gênesis  
Gênesis é um dos livros do Antigo Testamento que para se identificar a sua data, torna-se fundamental identificar anteriormente a sua autoria. Por conseguinte, se o autor for Moisés, conforme a visão tradicional mantêm, então a sua data é remetida ao séc. XV a.C.; no entanto, se Moisés não for o autor, a data do livro é bem recente. Assim não poderíamos falar de um autor, mas de vários autores dessa obra.
Conforme supracitado, o estudioso alemão, Julius Wellhausen, fomentou em seu tempo o avanço nas pesquisas teológicas. A conclusão da pesquisa foi que o Pentateuco é composição de vários documentos (J E D e P) inscritos por autores diferentes em épocas diversas. Mas qual o critério para discriminar um documento do outro? Wellhausen propôs algumas diretrizes para essa árdua tarefa: O modo como o nome de Deus é expresso na literatura: se Javé (J) ou Elohim (E); a existência de duplicidades, ou seja, a mesma história contada mais de uma vez com personagens diferentes e variações existentes diversas nesse texto; diferenças de estilo; diferenças de teologia, por exemplo, Deus no documento “J” é revelado de maneira antropomórfica, algo próprio desse documento específico.
Esses quatro documentos perpassam um período de composição que vai do séc. X a.C. até o V a.C., e à motivação de se atribuir isso como uma composição de um autor e de data bem antiga se dá pela necessidade de alguns judeus de explicarem a fundação da religião judaica de maneira sobrenatural e suprema.

2.2 A Crítica das Fontes e o livro de Êxodo 
É fato que o sistema permeou todo o Antigo Testamento (por exemplo, o livro de Isaías), todavia a teoria de Wellhausen permaneceu particularmente ativa no texto do Pentateuco. Assim a distribuição de fontes diversas passou tanto pelo livro de Gênesis como por Êxodo.
O Livro de Êxodo representa essa mesma configuração multifacetada pelo o uso indiscriminado de documentos diversos e contraditórios em sua composição. Dessa maneira, não seria prudente afirmar o antigo dogmatismo que garantiria  Moisés como o seu escritor e, muito menos, asseverar que Êxodo mantém qualquer tipo de continuidade em relação a Gênesis.
Na verdade o que acontece é que existe uma variação de fontes nesse livro, há uma continuidade em relação aos quatro livros do Pentateuco, porém a continuidade vigente é atribuída às fontes J, E e P. No entanto, embora a discriminação de fontes se torne mais fácil no primeiro livro do Pentateuco, quando se trata de Êxodo, como diz Noth: “as relações literárias são ainda mais complicadas do que em Gênesis” (apud DILLARD; LONGMAN III, 2006, p. 58)., ainda que P seja perceptível nessa obra literária, assim como os elementos culticos apontando “para a questão de ser um possível texto deuteronômico” (2006, p. 58).
     
2.3 A Crítica das Fontes nos livros de Levítico e Números
A hipótese documentária mantém como pressuposição a composição tardia também desse livro, todavia há um diferencial neste. Os livros de Levítico e Números são essencialmente compostos por P, e, assim como aconteceu em outras religiões, Israel teve uma evolução na adoração passando pela fase Politeísta, caminhando para o henoteísmo e, por fim, chegando ao monoteísmo tardio. Essa evolução na religião judaica também se evidencia na observação de que o povo estava livre para sacrificar em qualquer lugar na época davídica (1 Sm 16.2), todavia no decorrer dos anos a adoração se tornou mais centralizada em um lugar específico até que no período pós-exilico o documento P (o qual dá forma ao livro de Levítico) já estava completo.
Devemos chamar atenção para o caráter pós-davídico de ambos os livros, a ênfase do povo outrora concedida à monarquia perdeu o seu espaço com a instituição do sacerdócio. Por isso, “neste livro, grande importância é colocada sobre o sumo sacerdote, o tipo de regra que permaneceu na comunidade pós-exílica; ele é também chamado de o sacerdote ungido, substituindo um título davídico em 4:3-12 (e.g. 8, 16:3; 32; 21:16-23) (HARTLEY, p. xxxvii, 1992).     
As fragmentações dos documentos podem ser observadas pelas contradições que existem entre o livro de Êxodo e Números, por exemplo, em Ex. 1.15 observamos apenas duas parteiras (Sifrá e Puá) para atender uma população gigantesca, posteriormente evidenciada pelo censo do povo registrado no livro de Números; autoria diversa em ambos os livros, certamente.

2.4 A Crítica das Fontes e o livro de Deuteronômio
 O livro de Deuteronômio reveste-se de especial importância pelo o seu caráter de reavivamento da centralização da religião do Templo. Esse chamado ao centro de adoração no meio do povo, não deve ser reconhecido, nesse livro, com um apelo à lei, porém constituindo-se de um chamado profético. O livro foi composto (não encontrado)  no séc. VII por Hilquias, então esse texto trouxe ao povo as reformas necessárias, que não aconteceriam de outro modo, lideradas pelo rei Josias.  
Essa proposta foi elaborada por W.M.L. de Wette e desenvolvida por Wellhausen. A argumentação foi trazida em três argumentos por essa escola: literário, religioso e histórico.
O argumento literário mantém que a identificação da data deste documento não pode ser apontada para o séc. VIII a.C, quando não há traços de linguagem no estilo dos profetas desse período.; “por outro lado, tais autores vêem uma relação forte entre Deuteronômio e os profetas Jeremias e Ezequiel, ao passo que Josué, Juízes, Samuel e Reis são considerados o resultado de uma atividade redatorial deuteronômica sobre material histórico mais antigo” (THOMPSON, 1982, p. 58).
O segundo argumento se dá no campo religioso do povo, por exemplo, o teísmo do povo é de caráter mais avançado, bem diferente dos conceitos religiosos de Saul, Davi e a adoração ríspida de Elias. Porém, no último argumento (histórico), a data aponta para o período contemporâneo ao rei Josias, “nenhum outro grupo de leis do Velho Testamento corresponde tão de perto, ponto por ponto, às medidas executadas naquelas reformas quanto Deuteronômio” (1982, p. 58).

3. A CRÍTICA DAS FONTES É UMA TEOLOGIA BÍBLICA INJUSTIFICADA
É difícil definir o real relacionamento que a hipótese documentária tem com a busca veraz da verdade científica na pesquisa. Primeiro, uma vez que se afirme a neutralidade nos estudos científicos, mas não se assuma que os resultados dessas pesquisas adveem de uma concepção imposta ao texto devemos considerar se o resultado da pesquisa é tão honesto quanto o leitor de Wellhausen imagina ser. Por exemplo, as reformas se Josias (II Reis 22) através do Livro da Lei encontrada pelo sacerdote Hilquias ser mantido uma afirmação de composição, é atribuir uma fraude engenhosa ao texto, apenas por pressuposições não assumidas por parte desses teólogos.
Em segundo lugar, as afirmativas do método documentário são permeadas por um anacronismo metodológico que constrói uma realidade anterior à pesquisa para começar a fazer a pesquisa. As proposições modernas são levadas ao texto antigo, colocando o povo dentro de um contexto incomum e não fazendo justiça ao pensamento, cultura e costumes próprios desse povo.
Em ultimo lugar, pouco se observa variações de expressão, estilo, a função teológica de determinadas palavras naquele contexto e torna inviável processo honesto da pesquisa pela negligência constante aos aspectos diferenciadores da arqueologia recente como um ponto demolidor da Hipótese. A seguir exploraremos outros pontos que complementam os motivos para o desinteresse completo nesse método de interpretação do texto bíblico.  

3.1 A arbitrariedade da pesquisa arqueológica
A crença em uma fragmentação no Pentateuco se dá, em parte, a especulação de que todas as religiões evoluíram do politeísmo para o henoteísmo e por fim ao monoteísmo. Todavia essa afirmativa acrítica nesse ponto torna-se obsoleta, pois um dos argumentos mais fortes contra essa questão foi a descoberta das tabuinhas de Ebla, na Síria, conforme registrado por Pettinato, em The archives of Ebla: “Senhor do céu e da terra, a terra não existia, tu a criaste, a luz do dia não existia, tu a criaste, a luz da manhã ainda não havias criado” (apud GEISLER, 2002, p. 614).  
Outra afirmativa sustentada pela a escola documentária é suposição de que no tempo de Moisés a escrita entre os hebreus era inexistente, assim essa veio a ser elaborada apenas em um período muito tardio. Porém, já no ano de 1929 (período do fervor da hipótese documentária) os Tabletes Ugaríticos foram encontrados “inscritos com um alfabeto de tinta e três letras, exprimindo uma linguagem mais semelhante ao hebraico do que qualquer dialeto conhecido das línguas semíticas” (ARCHER, 1979, p. 186). O impressionante é que esse achado arqueológico é datado de cerca de 1.400 a.C, mas infelizmente os adeptos da teoria documentária ainda preferem negligenciar esse dado importante e postergar a escrita um período muito posterior. 
Em relação a legislação do Código Sacerdotal, segundo a teoria documentária, é impossível acreditar que uma elaboração legislativa desse tipo pudesse ser eficaz até antes do quinto século a.C. No entanto, mais uma vez, as evidências históricas apontam ao contrário, certamente a elaboração definida e precisa das leis do Código Babilônio de Hamurabi e a sua semelhança com Êxodo, Levítico e Números desmente a afirmação wellhausiana nesse ponto. Duvidar da antiguidade desse documento é algo não realizado nem mesmo pelos adeptos dessa escola. 

3.2 Por causa da negligência com o contexto imediato do texto bíblico
As evidências externas em relação a autoria Mosaica e a antiguidade do Pentateuco são fortíssimas, contudo um olhar mais atento e descomprometido dessa literatura revelará uma autotestificação desse ponto importante.
  Por conseguinte ao observarmos as descrições feitas em Êxodo demostram aspectos climáticos e atmosféricos peculiarmente egípcios (Ex. 9.31,32). Além disso existe um relato que demostra que o autor tem pouco relacionamento com a geografia palestina e é hábil em conhecimento do Egito, por exemplo, quando o autor descreve o vale do Jordão e faz comparações ilustrativas com a região do Nilo (Gn 13.10); outro ponto curioso é que “em Gênesis 33.18 há uma referência “à cidade de Siquém, em Canaã" o que é completamente para pessoas que viveram mais de setecentos anos nessa mesma área (como a hipótese documentária mantem), pois “parece-nos estranho ser preciso dizer que uma cidade tão importante como Siquém ficava em “Canaã” (ARCHER, 2001, p. 43), Mas se Moisés estiver escrevendo para pessoas que jamais estiveram ali, então é extremamente aceitável tal descrição.         

3.3 Por causa da pressuposição filosófica que permeia essa escola
Diante dessas evidências contra a teoria documentária, a escolha por esse método torna-se uma opção irresponsável e indefensável do ponto de vista científico. Todavia, ainda convém perguntar: então por que tantas pessoas ainda asseguram a continuidade desse método?
A mentalidade de neutralidade cientifica foi um produto do racionalismo do período moderno, a plena certeza de que racionalmente um mundo fechado pelas leis da física clássica não poderia ser interrompido, ainda que fosse por um documento antigo e respeitado pela a igreja. Wellhausen estava imerso nesse contexto, todavia ele acrescentou ao seu método hermenêutico a sua perspectiva filosófica hegeliana.
É importante lembramos que “Hegel cria que o problema da filosofia era encontrar o sentido da história [...] a partir desse pressuposto fundamental, ele tentou explicar toda a história humana” (MCDOWELL, 2013, p. 751).
Também devemos lembra que no séc. XIX a proposta do evolucionismo estava no seu ápice, uma que se afirmava o naturalismo filosófico como um fator determinante na avaliação do mundo, o único item que faltava nesse bojo era ampliara essas perspectivas para dentro da teologia.  
Longe de a hipótese documentária ser um claro exemplo de pesquisa neutra no tratamento de dados, pelo contrário, há um sistema moderno e viciado dogmatizando a história antiga e pré-teórica do texto bíblico. Uma aparência de respeitabilidade acadêmica, quando na verdade o que existe é um duelo de crenças (entre afé no Pentateuco e a fé no antissobrenauralismo). Todavia seria mais honesto ao estudioso asseverar a fé do Pentateuco do que impor a ele algo que o seu autor (Moisés) e ouvintes naquele tempo jamais pensaram (por exemplo, a visão hegeliana de história).  

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
É certo que a busca pela neutralidade na pesquisa foi um axioma no período da modernidade. Aliás, quem não gostaria de usufruir de uma pesquisa realizada sem inclinações prévias e isentas de qualquer pré-disposição intelectual? Todavia, com o advento do pós-modernismo a busca pela neutralidade na pesquisa revelou-se utópica; a busca pelo método absoluto mostrou-se irrelevante; o significado do mundo passou a pertencer  esfera da opinião particular e o nominalismo aplicado a epistemologia foi abraçado acriticamente na pós-modernidade. O método histórico-crítico, e sua tendência ao racionalismo, não sobreviveu a esse desafio.
Ainda que essa metodologia hermenêutica tenha caído em desuso na maioria dos centros de estudos do Antigo Testamento em anos mais recentes, todavia revela-se, ainda, como a principal maneira de interpretar o Pentateuco (ainda que negligenciem os problemas pertinentes desse método). Além de ser inconclusiva a decisão interpretativa sobre “qual texto pertence a qual fonte”, não foi sem razão que um estudioso da literatura veterotestamentária asseverou sobre esse período: “Hoje não existe … consenso. 'Cada faz o que acha direito aos seus próprios olhos'” (WENHAM apud WALTKE, 2010, P.26).
Dessa forma queremos salientar um ponto finalmente: nunca será exagero depositarmos toda a credibilidade necessária na posição tradicional sobre a revelação de Deus aos homens na história através das Escrituras Sagradas. Tendências mais recentes na área da crítica do Antigo Testamento têm descoberto pontos que até mesmo a perspectiva tradicional já considerava há muito tempo (por exemplo, muitos adeptos da crítica da forma chegam a afirmar que apenas um autor realmente escreveu todo o livro de Gênesis).
Assim devemos estar certos de que o verdadeiro crente, devoto e comprometido com a Palavra de Deus, por mais simples que seja a sua vida intelectual pode através da leitura do Antigo Testamento (especificamente o Pentateuco) confiar que Deus lhe fala de maneira infalível.  Assim, o principio de que a Escrituras explicam a si mesmas nas coisas essenciais, e que todo cristão tem o Espírito Santo auxiliando-o nesse processo de conhecer mais sobre Deus em uma época em que  são produzidas novas ferramentas de ceticismo e aversão à religião. 



- Ensaio acadêmico apresentado à disciplina de Teologia do Antigo Testamento, ministrada pelo Prof. Samuel Fernandes, semestre 2014.1.

REFERÊNCIAS:

1.ARCHER, Gleason L. Merece confiança o antigo testamento: panorama de introdução. São Paulo: Vida Nova, 1979.

2. ARCHER, Gleason L. Enciclopédia de temas bíblicos: repostas às principais dúvidas, dificuldades e “contradições” da Bíblia. São Paulo: Vida, 2001.

3. DEREK, Kidner. Gênesis: introdução e comentário. São Paulo: Vida Nova, 1979. 

4. DILLARD, Raymond B.; LONGMAN III, Tremper. Introdução ao Antigo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 2006.

5. LOPES, Augustus N. A Bíblia e seus interpretes. São Paulo: Cultura Cristã, 2007

6. WALTKE, Bruce. Comentário do antigo testamento: Gênesis. São Paulo: Cultura Cristã, 2010.

7. MCDOWELL, Josh. Novas evidências que demandam um veredito: evidência I e II. São Paulo: Hagnos, 2013.    

8. GEISLER, Norman L. Enciclopédia de apologética: respostas aos críticos da fé cristã. São Paulo: Vida, 2002.

9. HARTLEY, John E. Word biblical commentary: Leviticus 1-27. Dallas: Word, 1992.

10. THOMPSON, J. A. Deuteronômio: introdução e comentário. São Paulo: Vida Nova, 1982.


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